Augusto Ruschi (in memoriam)
Nasceu em Santa Teresa, em 12 de dezembro de 1915, uma pequena cidade de colonização italiana nas montanhas do Espírito Santo. Foi o oitavo entre os doze filhos do casal de imigrantes Giuseppe Ruschi e Maria Roatti.
Seu pai membro da Casa Nobili de Piza, era engenheiro civil, veio para o Brasil em missão do Governo Italiano para auxiliar no desenvolvimento das colônias italianas. Sua família com mais de 2 mil anos de tradição no trabalho com ciência, medicina e plantas, cultivando-as e estudando-as, sendo inclusive o nome da família originário da espécie Ruscus aculeatus ou azevinho do campo. Vários ancestrais como Giovani Ruschi e Pietro Ruschi foram cientistas na Itália renascentista, fazendo parte do grupo de Michelangelo e Galileo Galilei.
Sua vida foi dedicada às descobertas, defesa e estudo das espécies brasileiras, além da visão ecológica preservacionista pioneira que o consagrou mundialmente. Ainda na primeira metade do século XX, Augusto Ruschi realizava excursões pelo Brasil e polemizava com personalidades acadêmicas, políticas e empresariais muitas questões relevantes sobre a importância de se pensar o homem e a natureza numa relação respeitosa e sustentável. Foi o pioneiro do manejo sustentável das florestas tropicais, da agroecologia, do controle biológico de doenças tropicais e zoonoses, do perigo dos agrotóxicos, lidando com governantes e cientistas céticos.
Após a Segunda Guerra Mundial, veio a necessidade de intensificar a produção de alimentos, com a utilização de adubos químicos e um controle sobre as pragas. Ruschi passou a observar a morte dos pássaros e insetos após a pulverização com agrotóxicos e outros efeitos provenientes do envenenamento da natureza. Foi o primeiro a denunciar para a sociedade os perigos do DDT e o efeito acumulativo na cadeia alimentar. Lutou e trabalhou incansavelmente como muito poucos na história da humanidade, para que se contivesse a poluição e a destruição - que ainda perduram - mas que muito depois do alerta do pioneiro passam a ser encaradas como prioridades.
Professor da Universidade Federal do Brasil (atual UFRJ) a partir de 1937, cientista, agrônomo, advogado, naturalista, ecologista, conquistou reconhecimento internacional. Seu nome foi dado ao mais importante prêmio da Ecologia Nacional - “Medalha Augusto Ruschi” da Academia Brasileira de Ciências (entregue a cada quatro anos), virou nota de “500 cruzados” e Engenheiro do Mérito Nacional.
Reconhecido como um dos 1000 grandes homens que construíram o saber e as ideias do século XX, e sem dúvida o principal personagem da defesa ecológica nacional.
Nos anos 40, assessorou a Secretaria de Agricultura do Espírito Santo, desenvolvendo uma política de preservação do meio ambiente. Como resultado deste trabalho, implantou diversas unidades de conservação, sendo as Reservas Biológicas de Sooretama e Augusto Ruschi (Lombardia), as primeiras reservas criadas no mundo com este status de conservação.
A tese de Ruschi sobre as Reservas, apresentada à UNESCO EM 1951, defendia estas como espaços de preservação que o mundo não poderia prescindir, por se constituírem em reservas genéticas de espécimes da natureza ameaçadas de extinção.
Foi muito bem recebida nos meios científicos internacionais, que passaram a difundi-la por toda a Europa. Assim, no início dessa década começaram a surgir Reservas Florestais por todo o mundo, como uma das mais importantes políticas de preservação do meio ambiente. A Inglaterra passou a usar beija flores nos selos postais em homenagem ao sábio que tirava o homem do risco imediato de extinção.
“Cortam as matas ignorando tudo o que está dentro. Ninguém quer saber que lá têm milhares de animais, centenas de milhares de espécies de insetos, de plantas, que fazem o seu equilíbrio.
E o equilíbrio natural é complexo, onde às vezes a ausência de um elemento pode causar uma falha muito grande. O homem é que perturba e desequilibra”, dizia. Foi a única voz que se ergueu no período do Governo Militar para denunciar a derrubada de áreas na Amazônia, que ele considerava o maior crime que se cometia contra a vida no planeta, assim como os equívocos no projeto de ocupação desta região.
Sua história, trajetória e polêmicas, não se fariam contar, se não houvessem existido grandes interlocutores e amigos. Entre os principais estão Assis Chateubriandt, Mr. Crawford Greenwalt, Etiene Beraut, Fernando Lee, Louis Marden, Dr. Rebouças, Otacílio Coser, Dr. Carlos Teixeira de Campos, Anibal Moutinho, John Helal, Rubem Braga, Carlos Drumond de Andrade, Cândido Firmino de Mello Leitão, Aloísio de Mello Leitão, Konrad Lorenz, Jacques Vieillard. A vida de cada um desses homens foram povoadas de grandes feitos, histórias, descobertas, ou atitudes de grande valor ético e pessoal. Juntos estes homens transformaram uma boa parte da história e cultura da civilização humana do século XX.
Criaram novas ciências ou foram pioneiros de suas ideias como a agroecologia, bioacústica e etologia, despertaram o ambientalismo no mundo, lançaram a semente da proteção mundial da biodiversidade mundial e especialmente a brasileira, modificaram multinacionais, leis, aperfeiçoaram a vida do homem, e acima de tudo, encantaram multidões com suas histórias, fotos, ou sábios conselhos para o presente e o futuro.
Após a doação de sua casa, a pedido de seu filho André Ruschi, ao Governo Federal em 1983, foi demitido por perseguição política e dois anos e meio depois, veio a falecer vítima de cirrose hepática provocada por hepatite B e C, que foi inoculado de forma “acidental” por seu médico e assistente de pesquisas, em situação até hoje não devidamente esclarecida.
Preocupado com a continuidade de sua obra, passou os direitos autorais de sua obra literária, manuscritos e arquivo de fotos ao filho e sucessor pesquisador, André Ruschi.
Augusto Ruschi morreu convencido de que a única esperança de sobrevivência para a humanidade era o homem mudar radicalmente a sua relação com o meio ambiente.
“Alguns me dirão ainda: Depois de nós o dilúvio!!! Certamente, exatamente o dilúvio. E é justamente porque pode ser previsto que nós pedimos aos outros que nos ajudem a evitá-lo .”