João Batista Herkenhoff - Depoimento 2 

Discurso do professor João Batista Herkenhoff na solenidade de entrega do Prêmio Dom Luis Gonzaga

Fernandes – Ano 2010 – 6ª Edição

Na reunião da Comissão Especial do Prêmio D. Luis, opinei que outro companheiro falasse hoje. Há um público que varia, de ano para ano, mas há também um público cativo, pessoas que, desde a primeira premiação, aqui comparecem. Essas pessoas estão cansadas de me ouvir. Os companheiros não concordaram e pediram que eu mesmo falasse. Então, aqui estou.

Os homenageados de hoje são: Zilda Arns (in memoriam); Roberto Anselmo Kautsky (in memoriam); Sebastião Francisco Tótola e o Serviço de Engajamento Comunitário (SECRI). Antes de discorrer sobre os homenageados deste ano, é preciso dizer que o Prêmio Dom Luis Gonzaga Fernandes foi criado pela Lei 7.844, de 24 de agosto de 2004, data natalícia de D. Luis. Como está previsto na lei, deve ser concedido anualmente pelo Governo do Estado e tem - por objetivo - o reconhecimento, por parte do povo capixaba, do trabalho dos que, a exemplo de D. Luis, agem para tornar possível um mundo renovado em fraternidade, justiça, liberdade e solidariedade.

Comecemos por Zilda Arns. Antes de entregar sua vida a Deus, quando foi tragada pelo desabamento de uma igreja no terremoto do Haiti, ela já havia consagrado sua vida ao povo, especialmente à criança, no exercício da missão de principal articuladora, orientadora e dirigente da Pastoral da Criança, no Brasil e no mundo, além de militante também da Pastoral do Idoso.

Quando Zilda Arns faleceu, a admiração que se debruçou sobre seu túmulo rompeu barreiras e preconceitos. Os que professam a Fé Espírita falaram por intermédio de um arauto dessa crença, num site oficial: "É com profunda tristeza que informo o desencarne dessa mulher que dentro de seus conhecimentos, fez o que é ensinado constantemente nas casas espíritas – Fora da Caridade não há Salvação."

O Pastor Luterano Clóvis Lindner testemunhou: "Sua famosa farinha milagrosa tirou o Brasil dos índices de fome e desnutrição que o equiparavam à África."

Também a OAB e a ABGLT levaram suas flores ao túmulo desta santa. Não precisamos de proclamação oficial para chamá-la de santa. Essa proclamação demora muito, quando a santa vive abaixo da linha do Equador. Zilda Arns nunca distinguiu credos ou raças, na escolha de colaboradores. Uma índia e uma religiosa da Assembleia de Deus exerceram a função de coordenadoras da Pastoral da Criança.

Roberto Anselmo Kautsky nasceu em 1924, na então pequena localidade de Santa Isabel. Em 1933, a família transferiu-se para Domingos Martins, onde Roberto residiu até sua morte. Filho de pai austríaco e mãe alemã, sua paixão pelas flores começou na infância, uma paixão que lhe foi transmitida pelo pai. Orquidófilo e bromeliófilo, Roberto Anselmo Kautsky recebeu, carinhosamente, o título de "Senhor das Orquídeas". Sem formação universitária, Kautsky é, entretanto, citado com respeito pelos cientistas, devido às pesquisas a que se dedicou, especialmente de plantas e bichos da Mata Atlântica. Alguns de seus trabalhos repercutiram no Exterior, foram publicados e registrados alhures. Recebeu prêmios internacionais. As maiores autoridades botânicas do mundo visitaram o nosso Roberto Kautsky. Um jeito simples de ser, uma alegria contagiante, infatigável curiosidade, este era seu perfil pessoal. Salvou plantas que estavam sendo devastadas por desmatamentos irresponsáveis e reintroduziu espécies na natureza, espécies que desapareceriam para sempre, se não fosse o seu zelo. Transformou seu sítio numa reserva natural. Dizia aos amigos, em conversas informais, que viver com qualidade é estar em harmonia com a natureza, consigo mesmo e com os outros.

Sebastião Francisco Tótola é um ambientalista, amante e defensor da Natureza. Foi funcionário público municipal em Fundão. Hoje tem 79 anos. Vejam bem o que ele fez e que vou narrar neste momento. Sebastião Francisco Tótola doou à Municipalidade o terreno onde hoje está instalado o Parque Municipal Goiapaba-Açu. É preciso acentuar a força do verbo DOAR, para que se entenda a dimensão do seu desprendimento. Ele não vendeu o terreno à Prefeitura, ele DOOU o terreno. Segundo seu depoimento: "Doei porque vi a importância do local. Achei melhor o poder público cuidar de uma área tão bonita".

Embora tenha feito a doação do terreno, Sebastião Tótola não conseguiu desligar-se existencialmente da propriedade. Caminha pelas trilhas da mata. Ajuda a bióloga que zela pela conservação e florescimento das mudas do orquidário. Declara: "Sou apaixonado por tudo isso. É um lugar que merece todo o meu carinho".

O Parque de Goiapaba-Açu ocupa a região limítrofe entre a Mata de Encosta e a Zona Litorânea. Fica entre Fundão e Santa Teresa. O acesso é feito pela BR 101. Que exemplo para todos nós é este homem. Numa época em que o TER tem flagrante supremacia sobre o SER, Sebastião Francisco Tótola desprezou o TER, abriu mão do TER para fazer do SER o horizonte de sua vida.

O Serviço de Engajamento Comunitário – SECRI – é o "braço social" da Paróquia Santa Rita de Cássia. Foi fundado em 13 de setembro de 1988. No início era denominado Serviço de Engajamento Cristão. Depois, o adjetivo "cristão" foi substituído pelo adjetivo "comunitário". Não que tivesse deixado de ser cristão, mas porque para ser cristão não é preciso intitular-se como tal. O engajamento comunitário, ou seja, a dedicação ao bem comum já é, por si, uma atitude de devotamento cristão.

A semente do SECRI foi o antigo "Roupeiro de Santa Rita", criado em 1954 na Paróquia de Santa Rita de Cássia e que se destinava a apoiar as famílias pobres da periferia da paróquia.

O SECRI atua numa área muito pobre de nossa capital: São Benedito, Penha e São Miguel (Alto Itararé). É uma área de encostas íngremes. O acesso às moradias é muito difícil.

Há um doloroso contraste entre a linda vista da ilha de Vitória, da qual os moradores podem desfrutar, e a realidade cotidiana que os maltrata: barracos e construções precárias, condições de vida muito difíceis. É à face desse panorama de pobreza que o SECRI enfrenta seu desafio de serviço ao próximo.

Os homenageados de hoje estão na contramão e é bom que estejam na contramão. Diariamente, são lançados no inconsciente coletivo três desvalores básicos: o individualismo, o materialismo e a competição. Slogans nos atordoam e, o pior de tudo, atordoam as crianças: SEJA UM VENCEDOR /// APRENDA A COMPETIR /// DÊ A SEU CARRO A POSSIBILIDADE DE ALCANÇAR DUZENTOS QUILÔMETROS HORÁRIOS /// OBSERVE A COTAÇÃO DAS MELHORES AÇÕES, NÃO PERCA DINHEIRO. A metralhadora ideológica é tão intensa que, quando a professora pediu aos meninos que fizessem uma redação sobre o tema UMA BOA AÇÃO, a inocente criança começou a redação assim: Uma boa ação é a do Banco do Brasil. Todas as ações caem, menos as do Banco do Brasil. Nossos homenageados são combatentes, resistentes, opositores da ideologia dominante: Materialismo não, mas FLORES, como quer Roberto Anselmo Kautsky; Individualismo não, mas desprendimento, como nos ensinam Sebastião Francisco Tótola e Zilda Arns; COMPETIÇÃO não, mas partilha, segundo a lição dos apóstolos do SECRI.

Três arcos podem simbolizar o sentido das homenagens desta manhã: um arco etário (da criança ao idoso, Zilda Arns); um arco sobre o milagre da vida (da vida humana à vida do meio ambiente, Roberto Anselmo Kautsky e Sebastião Francisco Tótola); um arco sobre a ação humana para a edificação do mundo (da ação individual àquela que se desenvolve em conjunto (SECRI).

Todas as homenagens estão centradas na figura de Dom Luis Gonzaga Fernandes, o inspirador post mortem do Prêmio, a senha para a construção de uma sociedade nova, estruturada em valores de Justiça, Fraternidade, Paz. O Prêmio Dom Luis Gonzaga Fernandes não é um prêmio confessional. Embora tenha o nome de um bispo, trata-se de um bispo ecumênico que sempre manteve relações fraternas e de diálogo com as mais diversas confissões religiosas e, também, com pessoas, grupos e instituições do mundo laico, acima de definições ou rótulos.

O cenário da entrega do Prêmio deve ser sempre este: o Salão São Thiago do Palácio Anchieta. O Palácio Anchieta tem história. Foi - em sua origem - casa de fomento da educação, cultura, humanidade e elevação do espírito a Deus. Agora, com sua restauração e abertura para eventos culturais e cívicos, retoma sua nobre destinação. Não há, pois, espaço mais digno para a entrega do Prêmio Dom Luis Gonzaga Fernandes do que este Palácio, que abriga e reverencia ossos do Padre José de Anchieta.

Perenidade do Prêmio - Para falar sobre este ponto, o mais indicado é que seja uma pessoa da sociedade civil, como é meu caso, e não alguém do Governo. Se alguém do Governo fala que o prêmio deve continuar, este apelo pode parecer um gesto de vaidade. Se o Governador, por exemplo, fala isto, pode ser interpretado que, na sua fala, o que ele quer, realmente é que uma iniciativa dele prossiga.

Assim, como membro da sociedade civil e com a certeza de que interpreto os sentimentos da sociedade civil, proclamo: a entrega anual do Prêmio Dom Luis Gonzaga Fernandes não é obra de Governo, não é obra de um Governo, muito menos, não pertence ao Governador Paulo Hartung, é política de Estado.

De poucos prêmios sabemos quem foi o criador: o Nobel (Alfred Nobel), o Pulitzer (Joseph Pulitzer) são exceções. Mesmo prêmios famosos são concedidos anualmente, sem que se tenha notícia de seus idealizadores: Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, Prêmio Sanitarista do Brasil, Prêmio Grammy, Prêmio Goncourt, Prêmio Roquette Pinto, Prêmio Juca Pato, Prêmio Jabuti, Prêmio Dom Hélder Câmara.

Os governos passam, o Estado permanece. A outorga do Prêmio Dom Luis deve, doravante, integrar o calendário cívico do nosso Estado, pelos tempos que virão. É um prêmio destinado a ser perene e ecumênico, é um prêmio pedagógico, que engrandece o Espírito Santo.